A Proteção do Aço pelo Concreto

Concreto armado é uma expressão que traduz com muita simplicidade e felicidade a perfeita união de dois materiais que se constituem num só sistema, o mais utilizado mundialmente para a execução de estruturas para construções. Nesta parceria cada um desses materiais tem um desempenho a cumprir e cabe aos Projetistas – conhecendo-os perfeitamente – tirar máximo proveito de suas possibilidades em benefício do sistema resultante, que é a estrutura de concreto armado.

Neste artigo queremos demonstrar o papel do concreto na proteção do aço da armadura, proteção necessária pois, sem a qual, o aço fica sujeito à corrosão e rápida perda de DURABILIDADE da estrutura, gerando patologias e perda de segurança estrutural.

O concreto é um material produzido de forma quase artesanal, começando por uma mistura plástica constituída de água, cimento e agregados (pedra e areia), que se amolda à forma em que é colocada, depois endurece e adquire resistência compatível com a necessidade estrutural das obras de Engenharia. Na fase de endurecimento, o concreto passa por uma transformação em que parte da água reage com o cimento, formando inicialmente uma pasta e posteriormente uma matriz onde as pedras e a areia ficam envolvidas e que, depois de endurecida, retém esses materiais em seu interior, o que constitui a particular estrutura do material concreto.

No caso do concreto armado, esta mistura plástica envolve as armaduras que ficam, após o endurecimento, aderidas e protegidas pelo concreto tendo em vista o seu “funcionamento” dentro do conjunto da estrutura mas também em relação ao ar e agentes agressivos da atmosfera, especialmente contra a corrosão.
No entanto o material concreto não é um sólido perfeito, mas antes um pseudo-sólido, que apresenta vazios de porosidade entre seus componentes e também pela fissuração que é inerente à sua fragilidade, especialmente nas primeiras idades, e que é reconhecida e considerada no cálculo, geralmente no Estádio III, que considera o concreto fissurado e o aço em escoamento.

Estas propriedades são características do concreto que precisam ser levadas em consideração no projeto do material concreto, conforme prevêem as Normas Brasileiras NBR6118:2003 (Projeto); NBR12655:2005 (Controle) e NBR14931:2003 (Execução), entre outras.


O concreto em sua fase plástica necessita apresentar consistência adequada à trabalhabilidade requerida pelo método de mistura e aplicação. Isto é cuidadosamente estudado na dosagem considerando as características do concreto fresco. Geralmente a água é o material utilizado como veículo da trabalhabilidade, obtendo-se concretos mais secos ou mais líquidos conforme se aumenta a quantidade de água por metro cúbico, que pode variar geralmente entre 160 litros por metro cúbico – fornecendo concretos secos – até 220 litros por metro cúbico – fornecendo concretos líquidos.

É claro que estes limites extremos são acompanhados de modificações da granulometria e das proporções entre os agregados adequados a fornecerem concretos com a consistência adequada, ou seja, não podem os concretos, apresentar segregação, que é a separação dos componentes no momento do lançamento.

Entretanto, a principal propriedade da água é a sua reação com o cimento, em proporção adequada por quilograma desse material na massa, denominada relação água/cimento, que é inversamente proporcional à resistência e ao módulo de deformação, os principais parâmetros estruturais do concreto endurecido. Assim, quanto maior é a relação água/cimento, menores são a resistência e o módulo de deformação do concreto endurecido resultante. Isto ocorre porque nem toda a água colocada no concreto para garantir sua trabalhabilidade reage com o cimento, o que faz com que a parte não reagente “sobre” na massa e depois saia por evaporação, deixando vazios e capilares no concreto endurecido.


Geralmente a parte da água que reage fica em torno de 0,25 a 0,30 litros por quilograma de cimento, sendo que o resto evapora ou fica preenchendo os vazios da massa endurecida. Como a maior parte dos concretos usuais apresenta relação a/c acima de 0,50, chegando a cerca de 0,70, pode-se perceber a enorme quantidade de água que deverá evaporar. Na fase de evaporação, ainda com o concreto semi-endurecido ocorrem outros fatos que aumentam a porosidade dos concretos: a fissuração da massa por retração, causada pela rápida perda de volume da superfície em relação ao interior da massa, o que acarreta forças de tração nessa superfície e sua conseqüente ruptura frágil. Para evitar a perda dessa água na fase inicial, quando o concreto é muito frágil, é que se faz a cura do concreto fresco.


A evolução da Tecnologia do Concreto proporcionou o surgimento dos aditivos que são mais um componente do concreto, capazes de agregar propriedades especiais à massa, melhorando suas características de trabalhabilidade quando fresco e capacidade estrutural quando endurecido. Uma dessas propriedades é a de alguns aditivos conferirem maior mobilidade ao concreto fresco, isto é, aumentarem a sua fluidez, sem que se adicione água, ou seja, sem aumento da relação a/c. Modernamente os aditivos ditos superplastificantes oufluidificantes, fazem com que se obtenham concretos líquidos na fase fresca, o que facilita a aplicação, inclusive dispensando vibração – com grande economia de equipamentos e mão de obra – com baixíssima relação a/c (é possível chegar à ordem de 0,3 l/kg ou menor), resultando em concretos compactos e de resistências elevadas.

Estes recursos permitem a obtenção de concretos mais duráveis e mais protetores ao aço que envolvem, pela menor porosidade e fissuração, e também pela maior aderência, eliminando as descontinuidades que são ocaminho dos agentes agressivos da atmosfera, que usam o ar e a água como veículo de aproximação e ataque ao aço.

É importante abordarmos aqui o mecanismo deste ataque ao aço que resulta na corrosão e fim da vida útil para o concreto armado. Todo o aço no interior do concreto encontra-se inicialmente protegido por uma camada (filme) de óxidos aderidos ao aço – originadas pela dissolução de hidróxidos presentes no cimento que saturam os poros do concreto conferindo-lhe um pH entre 13 e 14 -, que o protege da corrosão. A este fenômeno dá-se a denominação de passivação do aço.

O fenômeno contrário, a despassivação do aço é a ação responsável pelo fenômeno da corrosão das armaduras, e inicia-se com a presença de gás carbônico (CO2) na atmosfera circundante à estrutura. O gás carbônico penetra nos poros e fissuras do concreto, quando saturados de água, formando o ácido carbônico (H2CO3) que ocasiona a redução do pH da solução nos poros abaixo de 9, o que desestabiliza o filme passivante de óxidos e proporciona um processo de corrosão eletroquímica do aço, caracterizado pelo transporte, nesse meio aquoso, de íons ferro (Fe+) em sentido oposto ao transporte e precipitação de hidróxidos dissolvidos (CaCO3, Na2CO3, e K2CO3) formando uma pilha dentro da massa que com a formação de ferrugem e, por seu maior volume dentro do concreto, a ruptura (desplacamento) do concreto do cobrimento em diversos pontos das peças atacadas.


O fenômeno que precede a formação da pilha eletroquímica é denominado carbonatação do concreto e avança no concreto, da superfície para seu interior ao longo dos anos, em maior ou menor velocidade conforme as condições de porosidade, umidade, temperatura e presença de substâncias agressivas – como o CO2 – na atmosfera. O avanço da carbonatação é tanto mais veloz quanto menor é a qualidade do concreto, especialmente quanto à porosidade e fissuração, que se deve evitar com um bom projeto. Outra forma de retardar o avanço da carbonatação é aumentar a espessura do cobrimento das armaduras superficiais, pois o tempo para a total carbonatação e início da corrosão será tanto maior quanto maior esta camada de cobrimento.


Esta foi a forma adotada pela atual Norma de Projeto das Estruturas de Concreto Armado, NBR6118:2003, que apresenta Tabelas que limitam – em função da Classe de Agressividade Ambiental em torno da estrutura - a relação a/c e as resistências mínimas do concreto, para evitar concretos frágeis e porosos e também limitam os cobrimentos mínimos necessários para todos os casos.


Os cobrimentos nominais apresentados em mm na terceira Tabela acima, levam em consideração as falhas do processo produtivo (industrial) e construtivo (artesanal) e portanto consideram a impossibilidade de se obter retilineidade nas barras, quando aplicadas. O que se considera é que, se aplicado diretamente o cobrimento efetivo na obra, a não retilineidade das barras vai ocasionar que diversos pontos tenham um cobrimento menor, por conta das deformações das barras de superfície e estribos, além das imperfeições de amarração. Por este motivo ás dimensões dos cobrimentos efetivos necessários à durabilidade, foram acrescentados 10 mm, perfazendo o cobrimento nominal, que deve ser prescrito em Projeto. A Norma permite uma redução nesta tolerância, caso a obra comprove o uso de critérios rigorosos de controle na montagem das armaduras. Mesmo assim, o cobrimento nominal mínimo deve ser 5mm superior ao cobrimento efetivo (significa reduzir as dimensões da Tabela em 5 mm).



A garantia deste cobrimento deve ser obtida de forma inquestionável, o que não é usual nas obras correntes que adotam espaçadores artesanais de argamassa feitos na obra, sem a qualidade necessária e sem dimensões precisas. Os espaçadores de argamassa de má qualidade são um veículo facilitador da penetração dos agentes agressivos na armadura e, por sua maior porosidade e fragilidade, permitem que a corrosão se instale rapidamente mesmo em um concreto bem dosado, resistente e de alta compacidade.

O uso de espaçadores plásticos parece proporcionar maior garantia da medida do cobrimento e pode até possuir menor porosidade que os espaçadores artesanais mas o fato de não serem aderentes ao concreto, somado à sua fragilidade, que não suporta o peso das armadura sobre a fôrma, torna-os deformáveis na instalação e durante a concretagem, facilitando o contato de agentes agressivos da atmosfera com a armadura.

Recentemente surgiram no mercado espaçadores e fixadores de armaduras feitos de micro-concreto de alto desempenho (fc > 50 MPa), que não apresentam porosidade, não se deformam e resistem ao peso das armaduras e aos esforços de concretagem. Produzidos industrialmente, estes espaçadores permitem garantia de dimensões corretas para os cobrimentos, além de sua geometria permitir diversas soluções necessárias às situações em obra, proporcionando uma qualidade real para os cobrimentos, parte essencial da qualidade do concreto armado.


Vimos neste artigo a importância da evolução da Tecnologia do Concreto para a garantia de durabilidade das estruturas de concreto. As modificações na NBR 6118:2003 e nas demais Normas de Execução e Controle resgatam este importante papel do concreto na proteção do aço estrutural, fazendo do conjunto concreto armado um material cada vez mais apropriado e atual para as estruturas prediais e demais construções. O aumento de resistências, a maior compacidade do concreto garantida pela exigência de limites máximos para as relações a/c, ao lado de aditivos redutores de água e maiores cobrimentos garantidos por espaçadores adequados feitos de concreto de alto desempenho, são instrumentos decisivos para a obtenção efetiva da qualidade, durabilidade e economia indispensáveis às estruturas de concreto.

Autor:

Egydio Hervé Neto

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