POR QUE ERROU? ERROU POR QUÊ?

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A figura do engenheiro calculista é sempre bem-vinda. Ele dimensiona o esqueleto da construção - fundações, baldrames, pilares, vigas, lajes. Tudo para criar bases sólidas. É o primeiro personagem que entra na nossa história porque de seu projeto estrutural depende em grande parte a saúde da casa. "Trabalhamos com base no projeto do arquiteto", conta o engenheiro de cálculos, lembrando que uma casa de cerca de 300 m2 exige dez ou doze estudos, os quais apontam os cálculos das cargas a serem colocadas sobre cada coluna. Enganos nesses cálculos revelam-se por meio de fissuras e trincas, antes mesmo de a obra acabar.

Foi o que aconteceu com uma construção de 380 m2 no bairro paulistano do Cambuci. Erguida num terreno em declive forte, já estava em pé, com seus quatro andares estruturados, quando os pedreiros notaram uma fissura numa das vigas do terceiro piso. A olho nu, era quase impossível enxergá-la, mas o proprietário não deixou passar. Chamou o engenheiro estrutural para rever o projeto de autoria de outro profissional. Diagnóstico: a ferragem no interior do concreto era insuficiente para dar resistência à peça. O remédio consistiu em rebaixar a viga em 5 cm e, nesse espaço, criar uma trama de ferros chumbados em orifícios executados nos pilares da estrutura. A viga doente recebeu, ainda, chapas de aço coladas sobre o concreto. "Uma fissura que aparece quando a estrutura está escorada e a casa ainda não sofreu sobrecarga representa risco. "No momento em que o escoramento fosse retirado, essas aberturas se ,transformariam em trincas".

Fique atento ao aparecimento de trincas e chame um especialista para avaliar o caso. Nem sempre elas aparecem tão cedo, embora provocadas por problemas numa etapa inicial da obra, lembra o engenheiro civil que também chamado em socorro de uma casa pronta, que exibia trincas de 1 cm nas paredes e rebaixamento de paredes e piso (recalque). "Foi num condomínio em Ibiúna, SP. Concluímos que as fundações do tipo sapata, de um lado da construção, estavam apoiadas sobre área de terraplanagem mal compactada. A sapata precisa estar assentada sobre solo duro. Se não há terra firme, a solução é usar outro tipo de alicerce. Essa é uma obra a que eu chamo de mico, em que é preciso fazer sub-fundações por baixo da sapata." O engenheiro não comprou o mico, uma ofensa à sua filosofia de trabalho, baseada na prevenção de erros.

Prevenção que representa o melhor remédio contra as patologias de obra.

Faça o conjunto de projetos. Na casa de Ibiúna, faltou o de estruturas. Viu no que deu? Escondidas e indecifráveis para o leigo, fundações pedem um especialista. "Se você tem hipertensão, consulta um enfermeiro?", pergunta o engenheiro paulista, referindo-se aos tantos casos em que o empreiteiro fica responsável pela obra. "Erros de fundação que você não vê comprometem tudo o que você vê", alerta. "Os 5% que custa o projeto garantem os 95% que vêm depois."

Não há médico que opere o paciente sem pedir exames e, salvo exceções, não há calculista que trabalhe sem uma sondagem, que investiga o tipo do solo e ajuda a definir o alicerce adequado ao terreno. O preço desse estudo varia de R$ 500,00 a R$ 2.000,00. Por isso, antes de comprar o terreno, é melhor perder R$ 2.000,00 com a sondagem do que descobrir tarde demais o que está escondido sob a terra.Sondagem e projetos evitam surpresas. Nem sempre o cliente se convence dessa necessidade, mas cede aos encantos de metais e revestimentos cujos efeitos ele consegue ver. O projeto de arquitetura representa 5% do total da obra, o de estrutura, de 2% a 5%, e o de hidráulica e elétrica, 3%, em média. "Esses 10% ou 12% acabam gerando uma economia de até 20%", afirma o arquiteto.

"Para gastar pouco nesses estudos", lembra o arquiteto paulista, "a pessoa pede só o esboço da casa e passa para um empreiteiro amigo". Esboço é só uma ideia. Não vale como projeto de arquitetura. Complexo e extenso nas preliminares, o projeto começa de fato com uma série de conversas em que o arquiteto tenta desvendar as necessidades e as expectativas do cliente. "É como contar a história da sua vida", brinca o arquiteto de Sorocaba, SP.

Se os filhos tocam bateria, o quarto precisa de isolamento acústico. A mulher é vaidosa? O banheiro merece uma ampla bancada. A sogra quer um quarto só para ela? Acelerar essas conversas é pecado grave.

Não dispense o projeto hidráulico e elétrico. Suas necessidades nesses aspectos também serão investigadas - iluminação de teto ou arandelas, home theater, hidromassagem? Dessas conversas ao projeto executivo, que vai para o construtor, é um longo caminho. Até os materiais têm de ser definidos: mármore nos banheiros, em vez de cerâmica, altera a altura do contrapiso; o tipo de telha determina a inclinação do telhado.

Consulte o arquiteto ou o engenheiro antes de comprar o terreno. Outro caso que reforça a importância dessa assessoria. Sem ser o autor da obra no interior de São Paulo, ele foi chamado para descobrir por que o piso de uma casa, erguida num lote afundado entre dois morros, minava água quando chovia. Simples: "Não havia queda entre a área interna e externa que permitisse o escoamento. Sugeri construir, em tomo da casa, uma canaleta, forrada de pedra e coberta de grama, que se aprofundasse em direção ao lado mais baixo do terreno". Foi preciso trocar os pisos interno e externo e refazer o contrapiso. Engano caro. Uma olhadinha no terreno e talvez o engenheiro/arquiteto até desaconselhasse a compra.

Simpatizar com o lote não basta. É preciso verificar a legislação local e checar se a área é de preservação, onde há restrições especificas. Um profissional poderá opinar sobre a necessidade de um levantamento planialtimétrico (verificação de medidas, ângulos, curvas de nível, altitudes do terreno). "Um terreno em aclive não significa obra cara. Um projeto em níveis, por exemplo, evita os custos de terraplanagem". Questões como essas, esclarecidas antes da compra, previnem surpresas na hora de construir.

Tenha na ponta do lápis o quanto você dispõe para cada fase da obra. "É importantíssimo fechar questão quanto ao investimento que se pode fazer". Acompanhe o exemplo: decidido o número de cômodos e seu uso, chega-se à área - a casa que o cliente imaginou terá 400 m2. Depois de determinar a metragem, escolhe-se o padrão de acabamento - se for alto, equivale a R$ 500,00 o m2 (valores referentes a março de 1999 – ano da reportagem). No nosso exemplo, o custo estimado é de R$ 200.000,00. O proprietário pode pagar? Em quanto tempo pretende construir? Dois anos? Neste caso, suporta um desembolso mensal de cerca de R$ 8.350,00? Senão, o dinheiro acaba antes da obra. Erro fatal.

De nada adianta, porém, fazer as contas se elas não forem respeitadas. A pessoa investe de 25% a 30% na primeira fase e vê as paredes crescerem e a cobertura surgir. Fica fascinada - a casa está em pé e sobrou 70% do dinheiro! Então troca cerâmica por granito e resolve colocar uma hidromassagem. E acaba gastando mais.

Nunca altere o projeto durante a execução. Se gastar mais fosse o pior, tudo bem. Mas não é assim. "Com a obra em andamento, a banheira, por exemplo, comprometerá as estruturas - cerca de 500 kg de peso que não estavam computados nos cálculos iniciais".

Baldrames ou paredes no cimento enganam. "Uma vez, nessa fase da obra, a proprietária mandou aumentar tudo. Quando a casa ficou pronta, ela teve noção do espaço e quis voltar atrás. Tarde demais."

Mudar custa. Em vez de gastar dinheiro para consertar, aceite o conselho dos profissionais da área. Junte bons especialistas, o conjunto dos projetos, um orçamento ao qual você jure fidelidade e, pode acreditar, vai lucrar segurança e conforto. "Fazer as contas é preciso. Mas pense no dinheiro de uma forma sensata”. O investimento em projetos é uma fase - um dia termina. E daí você terá uns trinta anos de tranquilidade."

Bom, isso se outros erros não acontecerem acima das estruturas. Há a alvenaria, a escada, o telhado, os acabamentos... Mas essa é outra história, que fica para uma próxima vez.

Há gente que gasta mais nos acabamentos de um banheiro do que em todos os projetos da casa.


Fonte: Revista Arquitetura e Construção - Março/99

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