A Qualidade do Projeto de Fundações

a. Seqüência do Projeto 

A qualidade de um projeto de fundações depende,  antes de mais nada, de uma boa investigação do  terreno em que a obra deverá ser construída, e de  uma correta interpretação dos resultados dc tal investigação.

De posse de tais informações cabe ao especialista analisar as alternativas dc soluções possíveis  de serem adotadas e, com base nesta análise que  considerará tanto os aspectos técnicos quanto os  econômicos , assim como prazos de obra e  condicionantes operacionais, proceder à escolha da solução mais apropriada.

Entra-se então na fase de elaboração do projeto propriamente dita, na qual serão feitos os cálculos para dimensionamento dos elementos e as verificações de comportamentos: essencialmente envolvendo a segurança contra ruptura e a expectativa dc recalques c sua compatibilidade com deslocamentos c deformações admissíveis na interação  entre superestrutura e fundações. Esta lase é concluída com a apresentação do projeto, envolvendo  desenhos, memorial, especificações e quantitativos,  de modo que possa então ser iniciada a etapa se- guinte, dc execução das fundações.

Na Fig. 19.1, a seguir, apresentase de forma resumida o fluxograma das atividades que envolvem a elaboração do projeto e as que o antece- dem e sucedem na seqüência de produção da obra.


Projeto e execução dc fundações: fluxograma de atividades
Figura 19.1- Projeto e execução dc fundações:
fluxograma de atividades

b. Investigações Geotécnicas 

No item 19-2.1 b, discutiu-se a importância das investigações geotécnicas para a qualidade de um projeto de fundações e as especifícidades que  existem na relação entre estas duas etapas, dificilmente encontradas em outro campo da construção civil — razão para que fosse feito um paralelo com o camp o da medicina, em que tais especifícidades também sào fortes — e mais conhecidas do grande público! 


Nào se trata aqui de repetir esta discussão, mas apenas de ressaltar sua importância para a qualidade do projeto de fundações e de indicar condiçõe s mínimas a serem supridas para tornar  exeqüível esta etapa. 

As investigações geotécnicas para o projeto de  fundações cumprem dois papéis principais: um 1", referente à caracterização dos terrenos, com a tipificação dc solos c rochas aí ©correntes c definição precisa dc camadas, horizontes c do nível d'água; e um 2- relativo à determinação dos parâmetros geotécnicos de interesse para a elaboração do projeto ou para os cálculos dc verificação das fundações. 

Na primeira das categorias citadas, ou seja, no tocante â caracterização do terreno com o objeti-vo de subsidiar a escolha da fundação e a elaboração do seu projeto, pode-se considerar obriga-tórios e insubstituíveis, no mínimo, os seguintes trabalhos dc investigação: 

• visita ao local para conhecimento "in loco" do terreno, da vizinhança e de condicior.antes geológicas e geográficas (topográficas inclusive) do local; 
• execução de sondagens de simples reconhecimento (sondagens à percussão ou sondagens tipo "SPT"), segundo a programação preconizada na norma NBR 8036 e executadas dc acordo com a norma NBR 6484, da ABNT. 
• na impossibilidade da execução das sondagens de simples reconhecimento acima citadas (pela presença de matacòes, entulhos ou rocha) , execução de sondagens rotativas ou sondagens mistas rotativas/percussão, com orientação dc profissional da área de Geologia de Engenharia nos casos de presença dc rocha ou obstruções pétreas naturais. 

Evidentemente a execução dos trabalhos acima, especialmente das sondagens, deve seguir com rigor as normas estabelecidas, utilizando-se equipamentos padronizados e aferidos, equipes trei-nadas c empresas capacitadas c idôneas. Isto precisa ser ressaltado pela significativa importância que têm estes trabalhos para a qualidade do projeto dc fundações e pelo fato dc que ainda se registram, no nosso meio, casos dc investigações geotécnicas malconduzidas, uso de equipamentos cm desacordo com os padrões cstabclcc dos e aplicações de procedimentos incorretos nu execução de tais trabalhos. Os prejuízos decorrentes de tais não-conformidades podem ser inestimáveis, muitas e muitas vezes maiores do que todo o custo da campanha dc investigações! 

Na segunda categoria citada, que envolve os trabalhos laboratoriais ou de campo que objetivam a obtenção dc parâmetros para a elaboração do projeto das fundações, as alternativas dc tipos dc ensaios disponíveis são muitas. No entanto, apesar desta multiplicidade de alternativas disponíveis, a prática corrente é bastante restrita, pois na grande maioria dos casos os projetos são elaljorados dispondo-se, além dos dados já citados (pertencentes â categoria anterior), apenas do índice NSPT, ou seja, cio número de golpes do ensaio Standard Penetration Test, execu-tado "in situ", dc metro em metro, nas sondagens de simples reconhecimento. 

Podese considerar que a disponibilizaçâo desta informação seja o mínimo aceitável, cm casos correntes deobras usuais que nào envolvam nenhuma complexidade especial seja do ponto de vista das exigências da estrutura, seja no tocante às características do solo ou dos outros materiais pre-sentes no terreno. 

Mesmo para o ensaio SPT todo o rigor deve ser observado na sua execução e, quando assim indicado, na fiscalização desta. Neste campo, vêse como extremamente promissora a melhoria da qualidade dos serviços através da introdução de sistemas da qualidade pelas empresas executoras c, quando devidamente qualificadas, com a concessão de "Aprovações Técnicas" por entidades independentes, conforme apresentado no item 19.1.3. 

Para obras de maior responsabilidade, assim como naquelas cm que a estrutura ou o tipo dc terreno ensejam dúvidas maiores quanto ao com-portamento das fundações é de todo recomendável que também no Brasil, assim como já é feito em muitos países europeus, asiáticos e na América do Norte, se lance mão do uso de outras técnicas de investigação, seja "in situ" como os ensaios pressiométricos, o CPT, CPTU, DMT. A ainda reduzida aplicação de todas essas técnicas na En-genharia de Fundações é um freio ao seu maior desenvolvimento no país, situação esta que de-verá sc alterar significativamente nos próximos anos, permitindo ao projetista de fundações atuar com uma gama muito mais ampla e confiável de dados e informações, o que certamente representará um salto de qualidade nos projetos neste campo. 

c. Estudo de Alternativas e Escolha do Tipo de Fundação 


No contexto da qualidade de um projeto dc fun- dações, cabe agora apenas ressaltar alguns pontos essenciais, sendo o primeiro e mais evidente o fato de que todo o desempenho c a economi cidade de qualquer fundação dependem, fundamentalmente, de ter sido bem escolhido o tipo dc fundação, em cada caso! 

No processo de escolha do tipo de fundação se faz sentir de forma mais significativa o poder de julgamento do engenheiro geotécnico, baseado cm seu conhecimento teórico e cm experiência acumulada, sendo que o resultado deste proces-so terá repercussões em todo o restante da obra c da própria vida útil da estrutura que será construída. 

Para que este processo possa ser conduzido de forma adequada, minimizando erros e incertezas, deverão ser atendidos alguns requisitos mínimos,  que serão a seguir listados: 

1° - Na fase dc anteprojeto (fase preliminar): 
Nesta ocasião o engenheiro geotécnico fará uma  escolha preliminar, ainda sem maiores detalhes,  do(s) tipo(s) mais adequado(s) de fundação para  a obra em questão, inclusive objetivando analisar  se há ou não necessidade dc ampliar as investigações geotécnicas com a realização de mais sondagens ou ensaios geotécnicos mais específicos.

A escolha preliminar definirá essencialmente o  tipo básico mais apropriado (sapatas diretas x estacas x tubulõcs), definindo algumas alternativas  viáveis a serem detalhadas na fase seguinte, em  funçào do aprofundamento dos estudos geotécnicos c dc uma orçamcntaçào comparativa. 

Para que possa ser bem conduzida esta escolha  preliminar, deve o engenheiro geotécnico ter à sua  disposição, no mínimo, as seguintes informações: 

• projeto arquitetônico básico, incluindo plantas, e de preferência também cortes c vistas; 
• projeto estmtural básico, contendo no mínimo  informações sobre a concepção estrutural e,  necessariamente, uma planta dc pilares ao nível  da fundação, com as cargas de projeto em cada  pilar; 
• relatórios de sondagens, contendo no mínimo  os perfis individuais das sondagens, executadas  de acordo com a norma NBR 6484, e uma planta  de locação destas sondagens. 

Considerando a importância que representam  para a viabilização e o bom desempenho de uma  fundação as condições locais do terreno, da ocu- pação c tipo dc constinções existentes nos terre- nos vizinhos c das condições de acesso, é sempre  recomendado "que o engenheiro geotécnico res- ponsável pelo projeto das fundações faça, pesso- almente, uma vistoria ao local, nesta fase dos tra- balhos. 

Na seqüência, uma vez realizada a escolha preliminar, poderão ser encomendadas novas investigações geotécnicas envolvendo mais sondagens  ou sondagens com maiores profundidades, son- dagens rotativas, ou ainda ensaios "in situ" ou  amostragens para ensaios laboratoriais. 

Também neste momento será importante notificar o projetista da estrutura quanto à escolha preliminar realizada e as suas implicações, de modo  que possam ser avaliadas eventuais necessidades de ajustes ou alterações no projete estrutural em funçào de peculiaridades executivas ou de comportamento do tipo dc fundação adotado. Em certos casos (raros) há até a necessidade dc ser retomado o processo de escolha da fundação, de modo a sc escolher outro tipo, mais compatível com as características e/ou exigências da superestrutura. 

 Na fase de projeto executivo (escolha definitiva): 
Para a elaboração do projeto executivo proccdese à escolha definitiva do tipo de fundação, com um nível de detalhes tal que possam ser dimensionados os elementos para o projeto executivo. 

Quando houve escolha preliminar, como se acabou de descrever, a escolha definitiva geralmente não passa de uma ratificação daquela e um detalhamento para as finalidades do projeto executivo. Evidentemente, caso novos estudos, com investigações mais apuradas assim o indiquem, nesta fase a escolha poderá recair sobre tipo(s) difercnte(s) daquele da escolha preliminar. O mesmo pode ocorrer em função de incompatibili-dades com a estnitura, conforme também já foi citado. 

Nesta fase, o que diferencia o processo do da fase anterior é o nível de detalhe, seja da solução apresentada, seja das informações requeridas: 

• projeto arquitetônico completo, incluindo plantas, cones c vistas com dimensões c cotas definitivas; 
• projet o estrutura l executivo , contend o concepção da estrutura, plantas dc pilares ao nível da fundaçã o e de pavimento s (ou posições) relevantes, cargas nos pilares ao nível da fundação, formas e armaçõe s dc vigas baldrames ou de rigidez (caso já tenha sido feito um pré-dimensionament o das fundaçõe s baseado na escolha preliminar) e recalques aceitáveis pelos elementos estruturais; 
• relatório complet o das investigaçõe s geo-técnicas, incluindo perfis individuais de todas as sondagens executadas, planta de locação das sondagens, preferencialmente seções do subsolo elaboradas a partir dc perfis individuais; 
• relatório s dc investigaçõe s geotécnica s complementares , s e houver , contendo os resultados dc eventuais ensaios "in situ" ou cm laboratório. 

Evidentemente, caso não tenha sido feita uma inspeção "in loco' ' na fase anterior (ou no caso de não ter existido fase de escolha preliminar), a vistoria pessoal por parte do engenheiro geotécnico será imprescindível nesta fase. 

d. Elaboração do Projeto das Fundações - Dimensionamentos 

Uma vez escolhido o tipo dc fundação, dispondose dos dados dos projetos de arquitetura e da estrutura, e de posse das informações geotécnicas  obtidas através das investigações do subsolo, o projetista irá elaborar o projeto das fundações, sob  a égide do binômio "segurança contra ruptura" e "recalque s estimado s limitados aos valores admissíveis". 

A elaboração do projeto deverá enquadrar-se nos preceitos estabelecidos pela norma da ABNT NBR 6122 - "Projeto e Execução de Fundações". Para a elaboração do projeto recorrese a várias teorias e métodos teóricos, semi-empíricos e empíricos, envolvendo os diversos assuntos pertinentes como  a capacidade de carga das fundações, os recalques  das fundações, os efeitos de gnipos entre elementos de fundações etc.

Visando garantir a qualidade do projeto, cabe  ao projetista estabelecer procedimentos bem definidos e devidamente embasados, documentando  os seus trabalhos em memoriais circunstanciados  e mantendo a rastreabilidade de todos os passos  executados. 

Todos os cálculos, sejam dc dimcnsionairento sejam dc verificação, deverão seguir procedimentos embasados em teorias comprovada s ou  metodologias semi-empíricas ou até empíricas também comprovadas, inclusive na região da obra em  questão c nos tipos dc solos e com os tipos de  fundações envolvidos. Caso o projeto envolva so- los desconhecidos ou tipos de fundações inovadoras, será necessária a comprovação experimental  prévia, antes de se aplicarem teorias ou métodos  ainda nào comprovados nestas condições. Esta  comprovação experimental deve, preferencialmente, incluir provas de carga cm elementos dc funda- ção protótipos, no próprio local da obra. 

Nos memoriais dc cálculo devem sempre ser citadas as teorias c os métodos utilizados, inclu- sive rcferenciando-se a sua bibliografia quando  não se tratar de teorias ou métodos universalmente aceitos. 

A apresentação do projeto dc fundações deve  conter, no mínimo, os seguintes elementos : 

• planta dc locação dos elementos dc fundação,  associada à planta dc pilares, indicando-se as cotas  de arrasamento c de base previstas dos elementos,  suas dimensões nominais e as cargas de trabalho; 
• desenho s dc apoi o à execuçã o contendo seções, cortcs, detalhes dos elementos ou dc suas partes c , eventualmente, fases da seqüência executiva; 
• desenhos dc armações dos elementos dc fundação  e, quando couber, das formas dos mesmos  (observe-se que, em muitos casos, estes desenhos  assim como os cálculos correspondentes ficam a  cargo do projetista da estrutura); 
• memorial circunstanciado do projeto ou memorial  resumido (neste caso o projetista das fundações  deve manter a memória de cálculos cm seus  arquivos, à disposição do cliente e de eventuais  outros demandantes); 
• especificações executivas das fundações (em  certos casos estas especificações podem s e  restringir à determinação dc procedimentos preestabelecidos , de conheciment o público ,  disponíveis na literatura técnica, inclusive em  manuais de empresas consagradas).
aqui original

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