SONDAGEM EM TERRENOS

Terreno crítico

Análise das características do solo define melhor abordagem das fundações e segurança da obra


Fonte: Revista Techne, Edição 172 - Julho/2011

Método mais comum em sondagens, SPT identifica o solo atravessado, a resistência à penetração e a posição do nível d’água
A sondagem influencia de maneira decisiva tudo o que é feito no projeto de fundações. É o primeiro passo para o entendimento do terreno, e, se é imprecisa, compromete o projeto e a execução da obra. Assim, o maior problema é a confiabilidade dos resultados. Se a sondagem apresenta inconsistências, pode-se pedir a realização de nova sondagem ou confirmação com outros testes. Mas o problema às vezes é evitado antes. O projetista de fundações pode rejeitar o trabalho de sondagem.
Frederico Falconi, diretor da Zaclis Falconi, conta que é comum, ao iniciar um projeto de fundações, receber sondagem sem locação topográfica (amarração) e até sem indicação do nível d’água 24 horas após a perfuração. São falhas consideradas primárias e indicativas de um trabalho malfeito.
Outra evidência de falha é quando a empresa classifica o solo com uma composição inverossímil naquele lugar. “É como uma sondagem em Santos (SP) não ter água ou argila marinha”, ilustra Milton Golombek, da Consultrix. Neste caso, costuma-se dizer que se trata de uma “sondagem fabricada”.
No Brasil, a maioria das sondagens em solo é feita pelo método Standard Penetration Test (SPT). O ensaio consiste na cravação vertical, no solo, de um cilindro amostrador padrão, por golpes de um martelo com massa padronizada de 65 kg solto em queda livre de uma altura de 75 cm. São anotados os números de golpes necessários à cravação do amostrador em três trechos consecutivos de 15 cm, sendo que o valor da resistência à penetração (NSPT) consiste no número de golpes aplicados na cravação dos 30 cm finais. Após a cravação em cada trecho, o amostrador é retirado do furo e a amostra é coletada, para posterior classificação que geralmente é feita pelo método tátil-visual.
Um ensaio similar, mas um pouco mais elaborado, é o SPT com medida de torque (SPTT), que pode ser efetuado para complementar o ensaio de resistência do solo, caso haja dúvida. O equipamento é o mesmo, mas possui um torquímetro acoplado no topo das hastes. Com a medida de resistência desse momento torsor, é possível saber o atrito lateral do amostrador com o solo local, permitindo melhor avaliar as características geomecânicas do solo. Um teste é estático (SPTT) e o outro, dinâmico (SPT).
Quando o SPT atinge uma camada impenetrável, seja um solo muito resistente ou rocha, pode-se recorrer a uma sonda rotativa. Uma coroa de diamante na ponta da haste corta e recupera a rocha – inteira ou parte dela – para ser analisada mecanicamente em laboratório. Este teste, porém, é muito mais sofisticado e caro do que um tripé de sondagem normal, sendo que poucas empresas possuem o equipamento rotativo.
Para se obter informações complementares ao SPT podem ser feitos ensaios como o Cone Penetration Test (CPT), que informa a resistência do solo por meio da penetração estática, ou DMT (Dilatômetro de Marchetti), que estima parâmetros geotécnicos de resistência ao cisalhamento.
Marcelo Scandaroli
Divulgação: Metrô-SP
Indicada para solos mais resistentes, sonda rotativa corta e recupera a rocha para ser analisada mecanicamente em laboratório
Equipamento de sondagem deve ser isolado com tapumes ao ocupar calçadas ou vias públicas
Critérios para aceitação de um projeto de sondagens
 Citação no relatório dos procedimentos da execução segundo a norma NBR-6484
 Amarração da cota da boca dos furos e da locação destes furos em relação a uma referência de nível fixa e indeslocável
 Identificação da existência ou não de nível de água e a posição inicial e final, se existir
 Classificação das camadas segundo a norma brasileira
 Identificação clara da data de início e término do furo de cada sondagem, para se identificar a estação do ano
 Apresentação dos valores de SPT inicial e final em cada metro, para comparação
 No caso de existência de camadas argilosas moles ou muito moles recomenda-se fornecer o valor da umidade em cada metro para identificação de possíveis subcamadas
Seguindo a norma
A sondagem em SPT tem norma própria, a NBR 6484. Qualquer alteração na altura, peso etc. pode alterar a energia envolvida no processo e, portanto, o resultado final. Se, por exemplo, o peso é solto de uma altura menor, provavelmente será preciso mais golpes para atravessar o mesmo trecho.
Colocado no terreno limpo, a 1 m da cota escavada, encosta-se o amostrador do equipamento e crava-se 45 cm. Retirada a amostra do bico do equipamento, repete-se a operação a 2 m do primeiro furo, até se cumprir o número previsto na norma e estabelecido pelo projetista.
Um terreno muito duro num local pode estar ao lado de outro não tão resistente. “Deve haver no mínimo dois furos de sondagem para o trabalho, mas o ideal é no mínimo três”, recomenda Arthur Quaresma Filho, da Engesolos.
A quantidade de furos está prevista em norma de acordo com a área do terreno, mas deve vir especificada pelo projetista, assim como a profundidade que a sondagem deve atingir. Pode-se definir um critério de profundidade, de número de golpes, de tipo de solo atravessado ou até os três juntos, seja um excluindo o outro ou atingindo-se as três condições. “Um exemplo de critério de paralisação seria atingir o solo residual com cinco ensaios de SPT de 30 golpes e mínimo de 40 m de profundidade”, explica Falconi.
Idade da pedra
Acervo pessoalHugo Cássio Rocha geólogo, assessor técnico do Departamento de Concepção Civil do metrô-SP e presidente do Comitê Brasileiro de Túneis da ABMS
No campo da sondagem, é aceitável que se tome a análise de uma área por amostragem comparativa? É possível que todos os demais terrenos do entorno sirvam de parâmetro geológico? Sim, uma sondagem é apenas um ponto de amostragem sob o ponto de vista estatístico e os demais pontos do entorno são também muito importantes. Claro que dependendo da variabilidade geológica do terreno há a necessidade de vários furos para melhor amostragem.
Entre todos os fatores que devem pautar a aceitação de um estudo de sondagem, qual o mais grave se for negligenciado? Sem dúvida é o descumprimento parcial ou total da norma de execução. Lembrando que é melhor estimar os parâmetros com elevados fatores de segurança do que projetar sobre dados errados de uma sondagem mal-executada.
Que cuidados devem ser tomados com relação à profundidade dos furos de sondagem? O sondador deve ser adequadamente treinado e as hastes de perfuração devem sempre ter tamanho múltiplo de metro e nunca medidas quebradas, como, por exemplo, 1,03 m, pois dificulta as contas e facilita o erro. Além disso, deve ser levantada topograficamente a cota da boca do furo e ser executado um croqui de locação.
Entre projetistas de fundações, costuma-se dizer que há um verdadeiro fosso entre empresas de fundações: empresas com muita tecnologia e, outras, completamente despreparadas e desatualizadas. Isso é uma realidade? Sim, é verdade. Em relação às sondagens geotécnicas o Brasil está, com honrosas exceções, na idade da pedra. Em poucos lugares do mundo se faz sondagem à percussão manual como no Brasil. Quanto aos equipamentos de fundações, o mercado ficou estagnado durante muitos anos, dificultando o investimento em novos equipamentos, entretanto as perspectivas são boas de melhora no futuro próximo.
Que fatores podem desvirtuar completamente o resultado das sondagens? Os mais graves são o descumprimento das normas, falta de conhecimento das peculiaridades da geologia local, pagamento do serviço por produção, falta de treinamento das equipes e falta de conhecimento do executor sobre a importância da sondagem geotécnica.
Primeiro furo
Por diversas vezes, para se definir os critérios de paralisação, o projetista analisa o boletim de campo do primeiro furo da sondagem para criar a orientação dos outros furos. “Muitas vezes, vamos até o local analisar, mas nunca chegamos no momento exato em que está terminando o furo”, conta Falconi. Então, por telefone, projetista e empresa de sondagem conversam sobre os resultados preliminares obtidos.
Essa comunicação entre os dois lados do trabalho não é obrigatória. Porém, quando há a troca de informações desde a definição do serviço, tanto o sondador tem uma concepção melhor como o projetista ou o consultor podem orientar o trabalho com mais precisão.
Como o consultor recebe o resultado do primeiro furo, para determinar como ele quer os outros, o sondador, já sabendo como será a obra, tem um parâmetro mais objetivo para o primeiro furo. “Já sei que para 30 pavimentos e 10 m de subsolo, a sondagem inicial deverá ter 20 m, 25 m”, exemplifica Quaresma. “Portanto, se a estaca é de 10 m, tenho que ir até 25 m ou mais.”
Um dado básico da sondagem, que não deveria faltar em nenhum relatório, é a amarração topográfica, que estabelece uma referência de nível para a obra toda. Se o sondador não teve pontos de referência, não saberá onde está aquela sondagem. “Ele loca em sua planta, mas quando tiver que transferir para a planta da construção, não vai conseguir”, critica Falconi.
Quando não há levantamento planialtimétrico, é preciso “plotar” os pontos de sondagem e, em seguida, determinar, na planta, exatamente onde estão. Se um furo for diferente do outro, é preciso saber que há uma diferença de terreno mais ou menos naquela posição. Assim, o trabalho de sondagem pode se referenciar em um ponto externo, especialmente se o terreno será aterrado ou cortado. Mas o ideal é que se trabalhe com o levantamento planialtimétrico pronto, e toda a sondagem fique referenciada em um ponto no mesmo sistema de coordenadas da obra.
Outra indicação importante, que é verificada durante o trabalho de sondagem, é o nível d’água do terreno, que indica a posição do lençol freático. O problema é que a precisão desta medição está vulnerável a fatores externos. Como o furo é pequeno, às vezes pode haver interferências de pressão. Se o furo é feito em um dia e a medida do nível fica para outro dia – porque o trabalho foi encerrado, ou por outro motivo -, isso pode alterar o resultado. Se o furo for deixado aberto enquanto outros são executados, quando se medir o nível d’água corretamente, ao longo dos outros dias, o momento em que se encontrar a água não será necessariamente a posição do lençol. Em alguns casos, a água encontrada pode ser proveniente das paredes do furo. Para evitar dados incorretos, é aconselhável aguardar a estabilização, anotar a profundidade, retirar a água e repetir o processo. Também não se deve esquecer de indicar o nível d’água 24 horas depois de encontrá-la. É obrigatório.
Aceitação de sondagem
Após inúmeros problemas com sondagens malfeitas, o metrô de São Paulo elaborou um sistema de avaliação que se baseia no acompanhamento dos serviços nas etapas de campo, de análise e classificação em laboratório e de apresentação dos resultados. Em cada uma destas etapas, a avaliação é feita com o auxílio de check-lists, aos quais se associa um sistema de notas para cada item avaliado.
Em campo o procedimento de análise consiste da fiscalização do cumprimento dos procedimentos e do uso de equipamentos previstos na norma brasileira e na especificação técnica do metrô. No laboratório é avaliado o cumprimento da norma com relação à descrição e classificação das amostras e à validade na análise dessas. Para a apresentação dos resultados avalia-se a veracidade e a forma de apresentação dos dados do Perfil Individual de Sondagem.
Neste sistema, cada parâmetro pode receber nota de 0 a 1 ponto, num total de dez parâmetros analisados, ou seja, a nota máxima pode ser de dez pontos. Entretanto, se algum erro de procedimento grave for constatado, a nota da sondagem é zerada (confira nos Extras na página da Téchne a metodologia completa de avaliação de sondagem adotada pelo metrô).
O resultado
Com alguns furos, é possível fazer uma seção geotécnica, que são as camadas ligadas em uma montagem gráfica, com visualização mais completa do que se estima no solo. “Obviamente, dá mais trabalho, e há empresas que evitam”, diz Golombek.
Os projetistas, nesses casos, comparam furo com furo, analisando onde a camada mudou em um furo e no outro. Assim, aonde acreditam ser importante para entender melhor e poder fazer o projeto, eles mesmos fazem a seção.
Mas há casos em que realmente não é possível fazer a seção, por exemplo, quando as distâncias entre os pontos são muito grandes ou quando a estratigrafia do solo não permite fazer uma seção. “Na distância de até 25 m, procuramos sempre fazer a seção transversal”, diz Quaresma.
Esta distância, porém, é relativa. “Em obras como um túnel de serviço de 10 km, que não está a grande profundidade e muitas vezes está em um solo perturbado, furos a cada 20 m não significam nada, pois a obra é linear”, explica Quaresma. Com distância de 5 m a 10 m entre furos, é mais ou menos possível desenhar a seção. Mas quando os furos são rasos, é mais difícil interpretar a camada.
Sempre que for detectada mudança de cor ou de material no corpo do amostrador, o relatório de sondagem deve apresentar “chamadas” apontando locais onde foram encontradas minúcias. Mas isso só é detectado quando a sondagem é feita e analisada com cuidado, com paradas para se retirar e descrever o material.
“Um furo muito profundo, se bem-feito, pode levar dois ou três dias. No primeiro dia fura-se 15 m; no segundo, 8 m ou 10 m”, conta Quaresma.

Fator humano
O sondador deve ser treinado para classificar os solos, principalmente porque isso é feito manual e visualmente, ficando sujeito a subjetividades.
Uma boa prática é a empresa sondadora ter uma pessoa experiente, como um ex-sondador, em um laboratório próprio, que confira as amostras. “O sondador escreveu se é argila, areia ou silte, mas pode ser silte argiloso, areia siltosa ou outra coisa”, diz Quaresma. Além disso, a classificação de cores também fica “padronizada”.
A remuneração pode definir qualidade. Embora a empresa seja contratada por metro perfurado, remunerar o sondador e funcionários da mesma forma leva a riscos. A sondagem pode ser “inventada”, como se diz na linguagem de campo, ser executada muito rápida ou a sonda ser lavada antes da hora.
“A pessoa tem que produzir o máximo para aquela condição”, diz Quaresma. “Não adianta querer a mesma produção da pessoa aos 15 m e aos 35 m.” A empresa também deve, segundo Quaresma, fiscalizar o trabalho de sondagem, com visitas surpresa, para instruir os sondadores e aferir os resultados.
Medida da energia de cravação
Considerada arcaica no Brasil, as metodologias de sondagem pouco se inovaram nos últimos anos. Nas universidades e institutos tecnológicos, porém, tem sido utilizada a medida da energia de cravação do SPT com equipamentos eletrônicos para se saber qual o nível de energia que efetivamente chega nas hastes e no solo durante a sondagem. De acordo com Joaquim Teodoro Romão de Oliveira, professor-adjunto da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), a medição usa equipamentos com sensores que medem aceleração e deformação das hastes durante a execução da sondagem e que são interpretados com base na Teoria da Equação da Onda.
“Na hora do cálculo, com a medida da energia de cravação, o projetista pode corrigir o valor medido e informado na sondagem para a energia real e não a energia teórica do ensaio (que é média utilizada para interpretar os resultados da sondagem hoje em dia). Esta energia real varia entre 60% e 72% da teórica, de uma maneira geral. Vários métodos de cálculo de projeto mais recentes já incorporam esta correção”, afirma Oliveira.
Segundo o professor, entre as instituições que utilizam a medida de energia de cravação, estão o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e algumas universidades brasileiras como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coope-UFF).

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